A harmonia dos opostos: Ne Obliviscaris une metal extremo e música erudita e encanta público paulistano
A combinação entre heavy metal e música clássica não é novidade. Desde os primórdios do estilo, diversas bandas têm combinado passagens de música erudita com batidas rápidas, riffs agressivos e solos ágeis. Estilos como o metal sinfônico são inteiramente baseados nessa ideia, e alguns de seus representantes, como Lacuna Coil, Within Temptation e Nightwish, alcançaram até mesmo o mainstream.
No entanto, um nome levou essa proposta a um nível muito mais extremo: a banda australiana Ne Obliviscaris. Fundada em 2003, o grupo combina elementos de metal extremo, como death e black metal, com influências de música clássica, jazz e flamenco, criando uma sonoridade ímpar. Outro diferencial marcante da banda é a presença de dois vocalistas: um responsável pelos vocais limpos e outro pelos guturais, gerando um contraste marcante.
Ao longo de mais de duas décadas de carreira, o conjunto lançou álbuns aclamados como “Portal of I” (2012), que consolidou sua base de fãs global, além de “Citadel” (2014), “Urn” (2017) e “Exul” (2023). Na última terça-feira (12), o sexteto finalmente estreou em São Paulo no palco do Carioca Club, apresentando-se como parte de sua turnê pela América Latina.
Infelizmente, o evento contou com um público bastante reduzido, evidenciando que poderia ter sido organizado em um espaço menor, como o Hangar 110 ou até mesmo o Jai Club. Essa baixa adesão pode ser atribuída a diversos fatores. Primeiro, a popularidade relativamente restrita da banda, que tem um apelo mais “nichado”. Segundo, a concorrência de peso na mesma noite: a banda sueca Hypocrisy estava se apresentando na Fabrique, enquanto Jerry Cantrell, fundador do Alice In Chains, fazia um show na Audio. Por fim, o mês de novembro tem sido repleto de eventos de rock e metal, forçando o público a escolher cuidadosamente quais atrações acompanhar ao vivo.
Por volta das 20h30, as luzes do palco principal se apagaram, indicando que o show estava prestes a começar. No entanto, por motivos desconhecidos, as luzes permaneceram apagadas, e a discotecagem voltou a ecoar pelos alto-falantes. Não houve qualquer comunicado oficial da organização, mas é provável que um problema técnico tenha causado o atraso.
Com cerca de 30 minutos de espera, os integrantes do Ne Obliviscaris finalmente subiram ao palco e abriram o show com “Intra Venus”. A apresentação já começou destacando o virtuosismo da banda, com uma introdução impressionante de baixo em double hand tapping e uma explosão de pedal duplo que arrancou aplausos do público. Contudo, a agressividade dos pedais de Daniel Presland acabou por encobrir algumas das passagens mais delicadas de violino, uma característica marcante da canção. Felizmente, em “Equus”, o equilíbrio foi melhor. A performance trouxe mais destaque ao talento do frontman Tim Charles no violino, cujas notas limpas sobressaíram com maestria, mesmo sobre os riffs pesados e os blast beats. Essa faixa também apresentou um maior foco nas partes melódicas, criando um contraste interessante.
Já “Misericorde I — As the Flesh Falls” foi uma explosão de brutalidade desde o início, com os berros intensos de Xenoyr, blast beats frenéticos e breakdowns agressivos. A música, com mais de sete minutos de duração, contou até com a participação do público em um breve coro. Próximo ao final, veio uma surpreendente mudança de ritmo: passagens de violino delicadas e um compasso que lembrava bossa nova surgiram como uma reviravolta inesperada. Nos segundos finais, um solo de violino coroou a execução com maestria.
Após essa sequência intensa, Tim Charles finalmente dialogou com o público pela primeira vez na noite. Ele pediu desculpas pelo atraso e comentou que jamais imaginaria, quando o Ne Obliviscaris começou em 2003, que um dia tocaria em São Paulo. Depois da conversa, veio “Forget Not”, uma das peças mais épicas do álbum de estreia Portal of I (2012), quase inteiramente instrumental, destacando as habilidades técnicas dos músicos.
Na sequência, “Devour Me, Colossus (Part I): Blackholes” trouxe mais peso à apresentação e finalmente provocou um moshpit entre os presentes. Curiosamente, durante todo o set, boa parte do público parecia mais focada em observar os músicos executando suas composições com atenção quase acadêmica, como se estivessem assistindo a uma aula de matemática.
Para encerrar a noite, a banda apresentou “Graal”, um de seus singles mais populares, e retornou para um bis com a grandiosa “And Plague Flowers the Kaleidoscope”. Foi um final memorável para uma apresentação que, apesar dos desafios iniciais, conseguiu brilhar com intensidade.
Setlist:
- Intra Venus
- Equus
- Misericorde I — As the Flesh Falls
- Misericorde II — Anatomy of Quiescence
- Forget Not
- Devour Me, Colossus (Part I): Blackholes
- Graal
Bis:
- And Plague Flowers the Kaleidoscope