Atheist e Cryptopsy devastam São Paulo com técnica e brutalidade na Burnt Into Pieces Tour

Guilherme Góes
5 min read5 days ago

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O Technical Death Metal (ou tech-death) é uma vertente do death metal que se destaca pela complexidade técnica, mudanças de tempo imprevisíveis, uso de escalas avançadas e polirritmias. Sua execução pode soar extremamente precisa ou, em alguns momentos, caótica e quase desordenada. Além de preservar a agressividade e brutalidade do death metal tradicional, o estilo incorpora elementos progressivos e influências de jazz e math rock, trazendo uma abordagem mais sofisticada tanto na composição quanto na produção. Nos últimos anos, diversas bandas do gênero vêm ganhando destaque na cena headbanger, como Obscura (Alemanha), Beyond Creation (Canadá), Allegaeon e Cattle Decapitation (EUA), entre outras.

Apesar de sua sonoridade complexa e inovadora — que muitas vezes gera certo preconceito entre os fãs mais tradicionais de metal — , o technical death metal não é uma criação recente. Já nas décadas de 1980 e 1990, algumas bandas exploravam essa vertente, sendo Cryptopsy e Atheist dois dos nomes mais influentes.

Ambas foram fundamentais para a consolidação do gênero. O Cryptopsy elevou a brutalidade e a velocidade do tech-death a um novo patamar, com destaque para a bateria inovadora de Flo Mounier e a extrema agressividade do clássico None So Vile (1996). Já o Atheist trouxe influências de jazz e fusion, criando composições altamente sofisticadas e técnicas, com seu álbum Unquestionable Presence (1991) sendo um marco do estilo. Enquanto o Cryptopsy ajudou a definir a face mais extrema do technical death metal, o Atheist provou que o gênero poderia ser tão técnico quanto progressivo.

Na última sexta-feira (21), o público paulistano teve o privilégio de assistir a essas duas lendas da música extrema dividindo o mesmo palco, durante a passagem da turnê ‘Burnt Into Pieces Latin America’ pela cidade. A tour também irá passar por vários países da América do Sul. Vale mencionar que, na maior metrópole brasileira, a festa contou com a parceria das produtoras Xaninho Discos, Chamuco e Caveira Velha Produções, que uniram forças para entregar um evento memorável aos fãs do metal extremo.

Atheist: A definição perfeita de jazz e metal

No dia, assim como ao longo de toda a semana, São Paulo enfrentava uma onda de calor insuportável, o que pode ter afastado uma parte do público. Apesar do lineup de peso, a casa sequer atingiu um terço de sua capacidade máxima.

Pouco depois das 19h, os integrantes do Atheist subiram ao palco ao som da intro In The Flesh, clássico do Pink Floyd. Em seguida, Kelly Shaefer (vocais), Alex Haddad (guitarra), Jerry Witunsky (guitarra), Yoav Ruiz-Feingold (baixo) e Steve Flynn (bateria) iniciaram o set com uma sequência devastadora: No Truth, On They Slay e Unholy War — todas extraídas do clássico álbum Piece of Time (1990).

O repertório seguiu de forma dinâmica e precisa, abrangendo os principais lançamentos da carreira da banda. Clássicos como Water, Mineral e Enthralled in Essence marcaram presença, representando os álbuns Elements (1993) e Unquestionable Presence (1991). Além disso, outras faixas de ‘Piece of Time’, como Room With a View e I Deny, também foram executadas, sendo esta última dedicada ao falecido baixista original Roger Patterson. Certamente, foi uma experiência que permitiu aos fãs uma experiência quase integral deste material importante.

Ao longo de toda a apresentação, o carisma do vocalista Kelly Shaefer se destacou. Bem-humorado, ele interagiu com o público a todo momento, brincando com os fãs e arriscando algumas palavras em ‘portunhol’. Já a sonoridade da banda impressionou com as notas de contrabaixo repletas de influências de jazz/fusion, enquanto a bateria de Steve Flynn, repleta de viradas complexas e um uso inventivo de pratos, seguia um ritmo não convencional, mas ainda assim muito interessante. A reação do público foi mista: enquanto alguns se jogavam no moshpit, outros observavam atentamente a execução virtuosa dos músicos. Certamente, o Atheist é a mais pura manifestação da fusão entre jazz e música extrema, soando ainda mais impactante ao vivo do que em estúdio.

Cryptopsy: Brutalidade sonora do início ao fim

Se o Atheist impressionou pela variedade técnica, com sua sonoridade original e virtuosa, o Cryptopsy chegou com pura violência sonora, deixando claro que não estava para brincadeira. Assim que Matt McGachy (vocais), Christian Donaldson (guitarra), Olivier Pinard (baixo e backing vocals) e Flo Mounier (bateria) subiram ao palco, com o cenário decorado pela arte do álbum As Gomorrah Burns (2023), a pedrada ‘Slit Your Guts’ abriu o set com riffs estridentes, blast beats na velocidade da luz e guturais que pareciam ter saído diretamente do inferno.

Logo em seguida, a banda apresentou ‘Lascivious Undivine’, do disco mais recente, exibindo referências modernas do tech-death, com solos dinâmicos e uma bateria repleta de viradas complexas. Ainda assim, a música não perdeu em agressividade ou peso em comparação com trabalhos mais antigos. Depois da novidade, o set seguiu com clássicos como ‘Graves of the Fathers’, ‘Sire of Sin’ e ‘Serial Messiah’, demonstrando que, assim como o Atheist, o Cryptopsy soube montar um repertório equilibrado, abrangendo diferentes fases de sua carreira.

Apesar dos urros brutais, o vocalista Matt McGachy surpreendeu com sua interação amigável com a plateia e uma performance impecável, sem demonstrar qualquer sinal de desgaste vocal. Vale destacar sua semelhança com George ‘Corpsegrinder’ Fisher, do Cannibal Corpse — tanto na aparência física quanto na postura de palco, apoiando os pés nos retornos para se aproximar do público e executando o icônico ‘Windmill Headbang’.

Antes de iniciar ‘Godless Deceiver’, McGachy revelou que a letra da música foi inspirada em um acontecimento trágico no Brasil: o caso Fabiane Maria de Jesus, a dona de casa de 33 anos que foi linchada por moradores do bairro Morrinhos após ser falsamente acusada de sequestrar crianças para rituais de magia negra.

Na reta final, os canadenses apresentaram ‘Flayed the Swine’, mais uma do novo álbum, antes de incendiar o público com uma sequência do icônico ‘None So Vile’ (1996). Clássicos como ‘Phobophile’ e ‘Orgiastic Disembowelment’ levantaram o público e impulsionaram a movimentação no mosh pit, que até então havia se mantido tímido. Mesmo com uma formação renovada — tendo Flo Mounier como único integrante original — , o Cryptopsy entregou uma apresentação sólida e avassaladora.

Infelizmente, o evento não teve um grande público. No entanto, aqueles que compareceram tiveram o privilégio de presenciar uma noite histórica, celebrando o lado mais técnico e extremo do metal pesado.

Setlist — Cryptopsy

  • Slit Your Guts
  • Lascivious Undivine
  • Graves of the Fathers
  • Sire of Sin
  • Open Face Surgery
  • Serial Messiah
  • Godless Deceiver
  • Benedictine Convulsions
  • Flayed the Swine
  • Phobophile
  • Orgiastic Disembowelment

Setlist — Atheist

  • In the Flesh (Pink Floyd)
  • No Truth
  • On They Slay
  • Unholy War
  • Water
  • Mineral
  • Enthralled in Essence
  • Your Life’s Retribution
  • Air
  • Fire
  • Brains
  • Room With a View
  • I Deny
  • Unquestionable Presence
  • Mother Man
  • Piece of Time

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Guilherme Góes
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Written by Guilherme Góes

Escrevo sobre o que tenho vontade, sem compromisso em tentar emular algum tipo de intelectualidade ou agradar terceiros.

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