Day trade é algo muito mais idiota que marketing multinível
Day trade e marketing multinível são duas atividades insustentáveis. No entanto, na pior das hipóteses, o marketing multinível ao menos fornece aos seus adeptos algum tipo de noção sobre temas relevantes, entre eles: networking, comunicação e vendas. Já o day trade não possibilita o aprendizado de nenhuma habilidade útil, e apenas causa danos em diversas áreas na vida de uma pessoa.
Eu fui adolescente entre os últimos anos da década de 2000 e os primeiros anos da década de 2010. Durante aquele período, diversas empresas de marketing multinível surgiram em todas as regiões do Brasil. Embora alguns desses grupos continuam em atividade, já não são tão populares como foram no passado. Geralmente, as companhias que atuavam neste mercado utilizavam o “modelo Ponzi” (esquema de comércio que demanda a afiliação progressiva de novos membros) e prometiam lucros financeiros completamente surreais por meio da revenda de um determinado produto (perfumes, suplementos alimentares, utensílios domésticos etc).
De forma óbvia, devido à própria inviabilidade do sistema de vendas, a grande maioria das pessoas que entravam nesses esquemas obtinham enormes prejuízos financeiros, e muitas até adquiriam dívidas. Como ocorre em qualquer atividade ilegal, apenas os idealizadores da fraude, produtores das mercadorias e revendedores iniciais conseguiam lucros com tais falcatruas.
Recordo que, dois anos após concluir o ensino médio, uma pessoa que estudou comigo veio com umas “conversas estranhas” falando que gostaria de me apresentar um “empreendimento”. Devido a insistência constante, acabei cedendo e decidi comparecer a uma reunião acerca do tal “projeto” na qual meu conhecido estava envolvido. Ao chegar no local onde o encontro seria apresentado, descobri que se tratava de uma reunião sobre revenda de perfumes. Durante o evento, um palestrante motivacional encantava o público — cuja maioria era composto por desempregados, donas de casa e pessoas de baixa escolaridade — com promessas milagrosas de lucros mensais exorbitantes que variavam entre R$10.000,00 a R$100.000,00, dependendo da capacidade do sujeito realizar um negócio chamado “recrutamento”. Além disso, lembro que, em determinado momento da exibição, o coaching enganador mencionou que seus lucros na empresa de cosméticos eram superiores ao faturamento de um proprietário de uma franquia da rede de fast food Mcdonalds™. Confesso que me segurei para não cair na risada, senti pena de todos aqueles fracassados iludidos e questionei como alguém era capaz de acreditar naquela completa imbecilidade.
No entanto, por ironia do destino ou forma de castigo divino por ter tirado sarro dos entusiastas do modelo de vendas em pirâmide, acabei caindo em uma furada muito mais idiota do que qualquer babaquice idealizada pelos “gurus do marketing de relacionamento”: comecei no Day Trade em mini contratos na bolsa de valores.
O Day Trade em mini contratos é uma modalidade de “investimento” que ganhou enorme popularidade nos últimos dois anos devido ao marketing agressivo nas redes sociais na qual diversos mentores exibem lucros altíssimos em um curto período de tempo e uma vida invejável com carros de luxo, mansões, apartamentos decorados e viagens internacionais. No entanto, assim como no marketing multinível, apenas uma minoria ínfima dos praticantes conquista algum lucro expressivo.
A atividade Day Trade é simplesmente inviável por diversas razões. Infelizmente, o mercado é totalmente imprevisível no curto prazo, e ninguém é capaz de adivinhar seus movimentos — independentemente do quanto estude seus sinais e gráficos. Além disso, ao operar mini contratos, o entusiasta estará competindo com robôs HFTs (high frequency traders), grandes analistas e assets de investimento bilionários, que possuem condições de suportar os “balanços” da bolsa de valores. Sendo assim, as chances de um novato sobreviver nesta batalha são praticamente nulas.
Ao analisar de forma cuidadosa, percebi que o Day Trade é uma idiotice muito pior do que qualquer modelo de vendas em pirâmide, e eu fui muito mais babaca ao ter entrado nessa do que aqueles iludidos na qual tirei sarro no passado. Obviamente, os projetos de marketing multinível são fraudulentos e causam grandes prejuízos aos seus adeptos. No entanto, ao participar de um desses esquemas, o sujeito ao menos gera contatos, faz amizades e networking, ganha algumas noções básicas sobre empreendedorismo e geralmente ler alguns livros clássicos sobre atendimento, desenvolvimento pessoal e vendas, entre eles: “Pai rico, pai pobre” de Robert Kiyosaki; “Como fazer amigos e influenciar pessoas” de Dale Carnegie; “7 hábitos das pessoas altamente eficazes” de Stephen Covey; “Mais esperto que o diabo” de Napoleon Hill, entre outros. Ou seja: por maior que seja a bobagem desses golpes financeiros, a pessoa que entra nesse meio ao menos desenvolve certas habilidades que podem ser úteis em sua vida pessoal e em sua carreira.
Já o adepto idiota do Day Trade apenas perde dinheiro, se isola e não amplia sua rede de networking, acaba com a sua saúde e perde seu tempo estudando inutilidades sem fundamento algum como análise gráfica e Tape Reading.
Eu tive um prejuízo considerável com Day trade. Além da perda financeira, os danos emocionais são horríveis. Eu nunca fui nenhum gênio, porém, modesta a parte, sempre fui inteligente para identificar golpes e investimentos fraudulentos. Na realidade, não sei qual motivo me levou a cair numa dessas. Talvez tenha sido o tédio durante a pandemia de COVID-19, a diminuição na renda, a exposição frequente a anúncios de corretoras e, principalmente, o fato de ter começado ganhando e acreditar que toda aquela idiotice de dinheiro fácil realmente era possível.
Certamente, uma das principais lições que aprendi com essa experiência foi que qualquer pessoa pode ter atitudes falhas, ser “feita de boba” e está exposta a cair em fantasias absurdas. Além disso, descobri que jamais devemos julgar ou criticar as crenças e comportamentos de ninguém, já que todos podem se alienar e acreditar em ilusões.