Entre moshs e energia insana, Lionheart conquista São Paulo na primeira apresentação

Guilherme Góes
8 min read21 hours ago

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O feriado de Carnaval começou, e, entre blocos de rua e o ritmo contagiante do samba, também houve espaço para a música pesada!

Na última sexta-feira (21), enquanto as escolas de samba abriam os desfiles no Sambódromo do Anhembi e os foliões lotavam bares ou seguiam para o Litoral e Interior, a galera do hardcore/metal teve oportunidade de conferir a aguardada estreia da banda californiana Lionheart. O show aconteceu no clube City Lights e ainda contou com a presença de dois pesos pesados da cena nacional: Sujera e Worst.

Formada em 2004 em Oakland, Califórnia, a Lionheart se destacou por seu som agressivo, letras diretas e uma atitude que mescla influências do hip-hop, beatdown e da cultura de gangues de rua. Considerada um dos maiores nomes do hardcore da década de 2010, a banda também carrega uma série de polêmicas em torno de sua estética e postura. Suas letras abordam temas como violência, ódio, lealdade e superação, sendo, por vezes, criticadas como “autoajuda barata”.

Além disso, o grupo é mal visto na cena straight edge, especialmente após o lançamento do clipe de “LHHC”, que exibe uma festa regada a bebidas alcoólicas e consumo de carne — uma afronta aos valores desse movimento. Ainda assim, apesar das controvérsias, a Lionheart mantém uma base de fãs fiel e consolidou sua reputação dentro da música pesada, especialmente na Europa, onde alcançou mais reconhecimento e popularidade do que nos EUA, sua terra natal.

Experiência geral e shows

Cerca de uma hora antes da abertura da casa, o público já formava uma fila gigantesca, deixando claro o alto nível de expectativa para a noite. Nesse momento inicial, era possível ver os integrantes do Lionheart circulando por lanchonetes próximas ao local, o que levou muitos fãs a aproveitarem a oportunidade para tirar fotos e pedir autógrafos.

Com a casa já lotada, a banda paulistana Sujera deu início à sessão de música ao vivo com uma apresentação digna de headliner. Em um set curto, mas intenso, o grupo entregou ao público uma seleção de seus principais singles, além de faixas do álbum “East Side Bomba”, como “Não Fica Um”, “Matilha Vira-Lata”, “Terror Zero Onze” e uma versão hardcore de “Nego Drama” (Racionais MC’s), que até ganhou um videoclipe no YouTube. Um dos pontos altos do repertório foi a apresentação do single “Out Of The Rage”, feito em parceria com o Lionheart, e que contou com participação de Rob Watson no palco.

O Sujera se destaca pela originalidade, trazendo uma mistura autêntica de hardcore, beatdown, nu metal e hip-hop, além de contar com dois vocalistas, o que acrescenta ainda mais identidade ao som. Durante toda a apresentação, o público cantou junto e agitou no mosh pit, provando que a banda já conquistou grande credibilidade dentro da cena.

Na sequência, foi a vez do Worst, uma escolha mais do que apropriada para abrir o show do Lionheart, dada a similaridade de suas letras e sonoridade com a atração principal. O grupo fez um verdadeiro passeio por sua carreira, revisitando clássicos dos álbuns Instinto Ruim, Cada Vez Pior e Deserto, com faixas como “Desenterrado”, “A Verdade” e “Não Pode Ver Paz”. Também incluíram músicas da fase em inglês, como “Left for Shit” e “Draining Me”.

Durante toda a apresentação, o vocalista Thiago Monstrinho conduziu o público como um líder de seita, incentivando ao máximo a agressividade no mosh pit. Além disso, criou uma conexão genuína com os fãs, chegando a entregar o microfone para uma garota durante “Vencedores”. Curiosamente, essa mesma fã já havia feito um feat com Freddy, vocalista do Madball, na última passagem da banda pelo Brasil.

Já o novo baterista, Lucas Nascimento, assumiu com competência a difícil missão de substituir Fernando Schaefer — um dos fundadores do Worst e considerado um dos melhores bateristas do Brasil. Com técnica e agressividade, Lucas manteve a identidade sonora do quarteto intacta. O show foi tão intenso e envolvente que, mais uma vez, teve a energia e o entusiasmo dignos de uma atração principal.

Com a casa completamente lotada, a movimentação no local já se tornava difícil quando os integrantes do Lionheart subiram ao palco para ajudar na montagem dos instrumentos. Assim que tudo estava pronto, deram início ao caos com “Cali Stomps”, faixa que marcou o retorno da banda após um breve hiato. Em segundos, a plateia estava pulando, cantando e se jogando no mosh pit com uma energia avassaladora.

Após o início arrebatador, o grupo seguiu com uma sequência em “ordem decrescente” de seus lançamentos: Welcome to the West Coast III, Welcome to the West Coast II e Welcome to the West Coast, trazendo pedradas como “DEATH COMES IN 3’S”, “Vultures” e “Hail Mary”. O calor era intenso e, mesmo com algumas falhas no som — que ora era “cortado”, ora estava alto demais — o local tremia com o impacto dos fãs se digladiando no mosh pit e praticando o controverso crowd killing, uma versão mais agressiva do mosh que consiste em atacar a plateia sem distinção.

Depois de passar pelos B-sides, que já haviam sido muito bem recebidos, a animação atingiu outro nível. No segundo bloco do set, a banda desfilou alguns de seus principais singles, como “Love Don’t Live Here” (com feat de Marcel Serra, do Sujera), “HELL ON EARTH”, “LIVE BY THE GUN” e “Keep Talkin”. Esta última teve um momento especial: a fã argentina que já havia assumido os vocais durante o set do Worst subiu ao palco mais uma vez, intensificando a onda de stage dives, sing-alongs e golpes voando por todos os lados. Enquanto o Lionheart destruía no palco, ficava evidente a diversidade de influências em seu som, indo além do hardcore com passagens marcantes de nu-metal e hip-hop. Aliás, a presença do nu-metal é tão forte que a banda ainda mandou um cover de “Break Stuff”, clássico do Limp Bizkit, acompanhada por Marcel Serra (ele mais uma vez!).

Na reta final, os californianos entraram no clima de descontração e tocaram um cover de “Fight for Your Right” (Beastie Boys) em tom de brincadeira, seguido por uma apresentação individual dos integrantes da banda. Para encerrar a noite com chave de ouro, veio “LHHC”, o maior sucesso do grupo, responsável por colocar o Lionheart no mapa do hardcore mundial e dar visibilidade à cena do norte da Califórnia. Antes de deixar o palco, o vocalista Rob Watson agradeceu a energia dos fãs e declarou que aquele havia sido o melhor show que ele fez em muito tempo.

O Lionheart demonstrou uma vitalidade impressionante no palco, reafirmando por que é um dos maiores representantes do hardcore, apesar das polêmicas e das críticas direcionadas ao seu som e estética. Um detalhe interessante foi a postura da banda: mesmo tendo status de headliner na Europa, os integrantes mantêm uma conexão genuína com o underground, permitindo que os fãs subam ao palco e cantem ao microfone, reforçando o espírito de respeito às raízes da cena.

Outro destaque do evento foi a energia ininterrupta do público, que se manteve intenso do começo ao fim, sem distinção entre a atração principal e as bandas de abertura. Esse nível de engajamento não era visto na cena de São Paulo desde novembro de 2023, quando o Rise of the Northstar incendiou a cidade.

Sem dúvida, foi uma noite que transformou o Carnaval em um evento memorável para os fãs de hardcore e metal que não estão interessados em bloquinhos.

Fotos — Gabriel Gonçalves (Profissional credenciado pelo site Sonoridade Underground)

Setlist — Sujera

Não Fica Um

Matilha Vira-Lata

Sensaki

Calle Hood Quebrada

Nego Drama

Terror Zero Onze

Out of the Cage (com Rob Watson)

Zoião

Original da Vila

Setlist — Worst

Desenterrado

Enterrado

Transbordando Ódio

Draining Me

Vencedores

Que Se Foda

Left for Shit

A Verdade

Não Pode Ver Paz

Sem Dó

Setlist — Lionheart

Cali Stomp

DEATH COMES IN 3'S

Vultures

Hail Mary

Trial by Fire

Burn

Keep Talkin’

HELL ON EARTH

Love Don’t Live Here

Born Feet First

Break Stuff (Limp Bizkit cover)

LIVE BY THE GUN

Lifer

Fight for Your Right (Beastie Boys cover)

LHHC

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Guilherme Góes
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Written by Guilherme Góes

Escrevo sobre o que tenho vontade, sem compromisso em tentar emular algum tipo de intelectualidade ou agradar terceiros.

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