Geração ‘nem-nem’: Quais são os principais fatores que resultam em tal fenômeno social?
Embora associado como resultado direto da crise financeira, alta taxa de desemprego e baixo crescimento econômico, muitos outros aspectos explicam tal “tendência” entre população jovem, entre eles: avanço da tecnologia, exposição a conteúdos que estimulam comportamentos antissociais e criação familiar:
O termo “nem-nem” (abreviação de “nem trabalha e nem estuda”) é usado para referir-se a parcela da população jovem que se encontra ausente do mercado de trabalho ou capacitação profissional através de cursos técnicos ou ensino superior.
Segundo pesquisas realizadas pelo instituto FGV, o percentual de jovens com idade entre 20–24 anos que se encontrava em tal situação no último semestre de 2019 era de 28,6%, já entre aqueles na faixa etária de 25–29, 25% estavam ociosos. No entanto, um novo estudo realizado pela mesma entidade afirma que o número de jovens sem ocupação formal aumentou durante o período da pandemia de COVID-19 – 35,2% para faixa etária entre 20–24 anos e 33% com idade entre 25–29 anos. De acordo com o economista Marcelo Neri (diretor da FGV-social e responsável pelo estudo), as medidas de distanciamento social foram fatores cruciais para o aumento significativo do fenômeno.
Certamente, crises financeiras, altas taxas de desemprego e baixo dinamismo da economia desempenham um grande papel nessa “tendência” — não apenas no Brasil, mas em todos os países do mundo. No entanto, aspectos monetários e comerciais apenas explicam parcialmente essa crise social. Diversos fatores culturais e o desenvolvimento da tecnologia também merecem atenção para que se possa compreender tais manifestações de ociosidade e retiro da vida em uma sociedade de mercado.
Tornar-se um “nem-nem”: fatores de risco
Recentemente, ouvi especialistas interessados no assunto e pesquisei em blogs e sites focados na temática que apontam alguns fatores que explicam a “geração nem-nem”. Entre as principais razões, estão:
- Ter nascido durante a década de 1990 e ter sido criado na “geração da internet”
Pessoas que nasceram após 1990 foram criadas na “era da internet” e estiveram expostas a tal tecnologia durante seus anos de desenvolvimento. Geralmente, o cérebro de uma criança ou adolescente está passando por diversas mudanças e adaptações nesta faixa etária, e, ao ser exposta a dopamina que essa ferramenta que possibilita através de uma quantidade praticamente infinita de informação, isso pode se tornar um vício. Sendo assim, muitos indivíduos entram na fase adulta com a necessidade de continuar consumindo compulsoriamente uma quantidade massiva de conteúdo (textos, vídeos, redes sociais, séries etc), resultando em negligência em atividades formais.
- Doenças físicas e mentais
Apesar dos diversos avanços tecnológicos e sociais realizados nos últimos anos em favor da inclusão de pessoas com algum tipo de deficiência, doenças físicas e mentais ainda dificultam gravemente que o indivíduo leve uma vida funcional no mercado de trabalho e tenha bons relacionamentos em diversas áreas de sua vida profissional, educacional e social.
Geralmente, pessoas portadoras de alguma deformidade física, paralisia em membros ou amputações encontram dificuldade em se inserir no mercado de trabalho (até mesmo para conquistar ocupações em cargos de baixa escolaridade e que não demandam grandes habilidades intelectuais). Igualmente, devido à falta de instalações adequadas e profissionais treinados em atender indivíduos com algum tipo de limitação física, obter educação formal muitas vezes pode se tornar uma atividade extremamente penosa.
Além disso, pessoas afetadas por enfermidades mentais como esquizofrenia, autismo, ansiedade, fobia social e déficit de atenção também encontram dificuldades e limitações em diversos tipos de trabalho (seja atividades braçais ou intelectuais), preconceito por parte de empregadores, colegas de trabalho, reitores de faculdade e demais estudantes.
Segundo uma pesquisa realizada pelo instituto IBGE, 85% das pessoas com espectro autista ou Síndrome de Asperger estão fora do mercado de trabalho. Tais fatores influenciam diretamente para que o indivíduo se torne ausente de qualquer atividade econômica.
- Exposição frequente a animações japonesas e games online
Embora possa parecer algo inofensivo, a exposição frequente a animes é algo extremamente prejudicial a saúde mental de adolescentes.
Tais animações “endeusam” comportamentos antissociais e passam uma visão negativa sobre praticamente tudo que existe em nossa sociedade.
De acordo com uma pesquisa publicada por Richard K. Yu em seu perfil na plataforma Medium, indivíduos expostos a “cultura Otaku” durante a adolescência possuem maior probabilidade do que o resto da sociedade de desenvolver distúrbios sexuais, fobia e problemas de interação social.
Já os games online são desenvolvidos com o intuito de que o usuário crie um vínculo de dependência com a atividade de jogar. Sendo assim, muitos acabam abdicando de compromissos formais em função do vício.
- Infância repleta de privações e formação familiar disfuncional
Assim como doenças físicas e mentais impactam a vida de uma pessoa de diferentes formas, ter tido uma infância marcada por episódios de miséria, abusos e violência pode gerar resultados negativos ao ponto de interferir no desenvolvimento social do indivíduo, causando dificuldades de inserção no mercado de trabalho ou mundo acadêmico.
Ser criado em um ambiente com pais extremamente rígidos ou ausentes pode resultar em impactos diretos na auto estima em uma criança ou adolescente, cujo efeitos serão “arrastados” pela vida adulta, causando danos comportamentais que influenciam diretamente na produtividade e ética de trabalho do indivíduo.
De acordo com uma pesquisa publicada na revista Business Insider, o status socioeconômico e nível educacional dos pais afetam de forma direta o desempenho de um criança ou adolescente nos estudos. Consequentemente, tais fatores também refletem no desempenho profissional durante a vida adulta.
Além disso, os pesquisadores Rena Repetti, Shelley Taylor e Teresa Seeman, da UCLA, analisaram 47 estudos que relacionam as experiências das crianças em ambientes familiares desestruturados com a vida adulta. A pesquisa apontou que aqueles que cresceram em lares com altos níveis de conflito tiveram mais problemas de saúde física, problemas emocionais e problemas sociais mais tarde na vida do que aqueles criados em ambientes mais funcionais. Igualmente, durante a fase adulta, os adultos entrevistados estavam mais propensos a doenças vasculares, depressão, dependência de drogas e solidão.
- Baixa renda familiar
Assim como aspectos emocionais e comportamentais afetam diretamente na criação, fatores em relação à condição financeira por parte dos progenitores possuem um papel fundamental na vida de uma pessoa.
Pessoas criadas em um ambiente de baixa renda tem menos acesso à educação em instituições com boa infraestrutura, atividades extracurriculares, esporte, lazer e até mesmo alimentação e assistência médica de qualidade. Além disso, entre a população de baixa renda, é comum o ingresso no mercado de trabalho em empregos insalubres, estressantes, repetitivos e de baixa remuneração logo após adentrar na adolescência, o que dificulta a capacitação profissional.
- Ter sido vítima de Bullying durante a vida escolar
Pessoas que foram vítimas de Bullying durante a infância e adolescência estão mais propensas a problemas de interação no mercado de trabalho durante a fase adulta.
Devido a episódios de constrangimento e humilhação, vítimas de bullying são favoráveis a problemas com ansiedade social, traumas e agorafobia. Além disso, segundo estudo realizado pelo site Medical News Today, vítimas de bullying têm pior saúde, menor renda e menor qualidade de vida na idade adulta. Igualmente, devido à baixa confiança, alguns indivíduos se sentem inseguros no ambiente de trabalho ou em uma instituição universitária.