Glitterer preenche o vazio deixado pelo Title Fight em São Paulo com show vibrante
Não seria exagero afirmar que, ao abordar uma pessoa aleatória em algum show de hardcore ou pop punk, com idades entre 18 e 30 anos, seja no Brasil ou em qualquer parte do mundo, é muito provável que esse indivíduo tenha se interessado por essa contracultura devido ao impacto da banda estadunidense Title Fight. Sem dúvida, o quarteto de Kingston, Pensilvânia, exerceu uma influência massiva sobre uma geração inteira de jovens fãs da música underground. Com uma sonoridade original, que mesclava influências do hardcore, pop punk, rock alternativo e shoegaze, e uma estética inovadora tanto nas roupas quanto nas capas de seus álbuns, o grupo não só estava à frente de seu tempo, mas continua sendo relevante e moderno até hoje. O estilo único da banda soube equilibrar agressividade e velocidade com uma sensibilidade emocional impressionante, cujo legado jamais foi esquecido e segue atraindo novos adeptos, mesmo após 7 anos desde o encerramento de suas atividades.
Ainda é um sonho para muitos seguidores que Jamie Rhoden, Ned Russin, Shane Moran e Ben Russin se reúnam novamente. Enquanto esse momento não se concretiza, ao menos podem acompanhar o trabalho solo de Ned à frente do Glitterer. No último domingo (16), os fãs paulistanos tiveram a oportunidade de assistir à primeira apresentação do projeto na cidade, após 8 anos desde o início de suas atividades. O evento ocorreu na casa Rockambole e foi organizado pela ND Productions, um nome que tem agitado o cenário de shows de punk rock e hardcore desde março de 2024.
O evento começou pontualmente às 16h. Apesar do calor intenso que dominava a capital paulista, uma boa parte do público chegou cedo para aproveitar o rolê. Alguns seguiram para conferir o merch e explorar a excelente infraestrutura da Rockambole, que oferece uma área externa com bares, cadeiras, barracas de lanche e uma arquitetura curiosa, com influências de arte psicodélica. Como esperado, uma parcela dos presentes exibia camisetas do Title Fight.
A abertura ficou por conta de duas bandas do cenário nacional. Primeiro, subiu ao palco o Homeninvisivel, grupo paulistano formado em meados de 2017, que mistura shoegaze e o real emo em sua sonoridade. Este foi o primeiro show da nova formação do grupo, que prometeu novos lançamentos em breve.
Na sequência, foi a vez do Metade De Mim, já consolidado na cena desde 2022, com seu trabalho que junta sonoridade emocore e letras em português. O set do quinteto começou com bom humor, trazendo uma sonora de uma faixa de Tim Maia, e seguiu com uma seleção de singles como ‘A Chuva’, ‘Vacilo’, ‘Pressentimento’ e ‘Você Não Vale o Trampo que Dá’, que foram acompanhados como verdadeiros hinos para seus seguidores. Mesmo sem novidades no repertório (mas afirmando que novos materiais serão disponibilizados em breve), o Metade De Mim provou mais uma vez o impacto que tem no cenário underground.
Após uma breve pausa para a troca de instrumentos e ajustes no cenário, Bruno Genaro aproveitou o momento para agradecer a presença do público e presenteou a galera ao anunciar, em primeira mão, a passagem do Touché Amoré pela América do Sul. Além disso, o produtor revelou que a NDP ainda tem mais algumas turnês agendadas para o primeiro semestre.
Em seguida, Ned Russin subiu ao palco ao lado de Nicole Dao (teclado), Jonas Farah (bateria) e Connor Morin (guitarra), iniciando o set com ‘The Same Ordinary’, um dos principais singles do novo álbum ‘Rationale’. A apresentação seguiu com ‘Bodies’ (‘Life Is Not a Lesson’ — 2021) e ‘Destiny’ (‘Looking Through the Shades’ — 2019). Apesar do início mais contido, o clima logo mudou quando o público começou a se jogar em crowdsurfings e stage dives ao som de ‘No One There’, ‘I Made the Call’ e ‘Half Truth’ — algo inesperado, considerando a sonoridade mais introspectiva das faixas.
O show seguiu com uma verdadeira ‘metralhadora’ de faixas, com Ned e companhia emendando uma música na outra sem pausas e sem interações com a plateia. O repertório abrangeu todas as fases da carreira, trazendo singles importantes como ‘1001’, ‘Distraction’ e ‘Can’t Feel Anything’. Ned encantou ao entregar uma performance enérgica, lembrando seus tempos de Title Fight, cantando e dançando enquanto balançava e tocava o contrabaixo. Nicole Dao também chamou atenção ao preencher as faixas com bases eletrônicas no teclado e adicionando uma harmonia marcante que funcionou ainda melhor ao vivo do que nos trabalhos de estúdio.
Na reta final, o frontman fez uma pausa pela primeira vez para conversar com o público, comentando sobre a experiência de tocar na América do Sul e destacando a energia singular dos fãs de música underground. No entanto, para a decepção de muitos, não mencionou nenhuma possibilidade de uma reunião do Title Fight. O show seguiu com ‘It’s My Turn’, ‘Fire’, ‘Are You Sure?’ e ‘Hello’, além de ‘New Mistress’ e ‘Incremental’ — duas faixas que ainda não foram lançadas. Após o encerramento, os músicos permaneceram na pista, atendendo aos pedidos de autógrafos e fotos dos fãs.
Seria exagero dizer que o trabalho de Ned com o Glitterer tem o mesmo impacto que o Title Fight, mas o músico impressiona com sua vitalidade no palco e sua criatividade ao apresentar um som carregado de diferentes influências. De certa forma, a sonoridade do projeto lembra o Title Fight em seus últimos dias, mas com uma atmosfera menos densa e mais alegre. Certamente, Ned mostrou aos fãs paulistanos que, caso um dia retome seu trabalho mais icônico, voltará como um artista ainda mais maduro e original.