Joyce Manor leva caos e energia à Fabrique em sua primeira vez no Brasil
Para quem aprecia boa música e não tem preconceitos quanto a estilos, poucos programas são tão enriquecedores quanto participar de um evento que reúne artistas de diferentes gêneros em um line up variado. É inspirador ver os músicos apresentarem seus trabalhos e observar um público que, independentemente de preferências pessoais, assiste aos shows com respeito e atenção.
Esse foi o cenário da aguardada estreia do grupo estadunidense de pop punk/emocore Joyce Manor, que aconteceu no último domingo (17) na Fabrique Club, com organização da produtora New Direction Productions. A banda ganhou destaque na cena underground durante a explosão da segunda onda do movimento emo, no início dos anos 2010, ao lado de nomes como Man Overboard, Title Fight, Turnover e Real Friends. Apesar dessa relevância, o grupo nunca havia se apresentado no Brasil. Entre as atrações que marcaram a diversidade do evento, também estavam: Gagged (banda de hardcore melódico de São Carlos), E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante (um dos grandes nomes do post-rock nacional) e Gouge Away (grupo da Flórida com uma pegada hardcore mais pesada).
Com a casa ainda recebendo o público, a abertura ficou a cargo do Gagged, grupo de São Carlos que carrega mais de 20 anos de trajetória representando o hardcore do interior de São Paulo. Em um set enxuto, a banda apresentou músicas de diferentes fases de sua discografia, incluindo faixas como “Sobre Nós”, “Teu Olhar”, e “Cidade Sem Lugar”. Um dos pontos altos foi a execução do novo single “Cárcere”, que traz uma sonoridade mais melódica e sugere mudança no som em futuros trabalhos da banda. Embora curto e para um público ainda pequeno, o show foi animado e cumpriu bem o papel de aquecer a noite.
Na sequência, subiu ao palco E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante, um dos pioneiros do post-rock nacional e integrante do prestigiado casting da Balaclava Records. A banda foi escalada para substituir o grupo emo Metade de Mim, que infelizmente não pôde participar do evento. Este foi o primeiro show do quarteto na Fabrique Club desde a retomada de eventos pós-pandemia de Covid-19, que aproveitou a ocasião para destacar as faixas de seu mais recente lançamento, “Linguagem”. O novo trabalho evidencia uma maior influência de math rock, com riffs e batidas complexas, que adicionam novas camadas à sonoridade já única do grupo.
Em um dos intervalos entre as músicas, os integrantes aproveitaram para demonstrar apoio à medida que visa o fim da “escala 6x1”, argumentando que a mudança na carga horária de trabalho seria crucial para ampliar o acesso da população a eventos culturais e de lazer. O setlist também revisitou músicas do aclamado álbum “Fundação”, lançado em 2019, garantindo a alegria dos fãs mais antigos.
Abrindo o bloco de atrações internacionais e já com um público consideravelmente maior no clube, veio Gouge Away, também estreando no Brasil. A banda trouxe um repertório focado no recém-lançado álbum “Deep Sage” (2024), incluindo faixas como “Maybe Blue”, “Idealized” e “Stuck in a Dream”. A vocalista Christina Michelle foi um destaque à parte, esbanjando energia ao correr e pular pelo palco, além de interagir intensamente com o público, frequentemente dividindo o microfone com os fãs na pista.
A resposta da plateia foi igualmente vibrante, com os primeiros moshpits e stage dives da noite tomando conta do ambiente, especialmente durante as faixas mais punk rock, como “Ghost” e “The Sharpening”.
Após um pequeno atraso, e com a casa bastante cheia (embora não completamente sold out), os integrantes do Joyce Manor subiram ao palco. Um detalhe curioso foi o visual dos músicos: o guitarrista Chase Knobbe e o baixista Matt Ebert vestiam camisetas das bandas Drop Dead e Crass, ícones do crust punk, um contraste interessante com o som pop punk característico do grupo.
O show começou com energia total ao som de “Heart Tattoo”, faixa do álbum Never Hungover Again (2024), seguida por “Derailed” e “Beach Community”, um dos principais singles do disco de estreia da banda. A essa altura, o caos já estava instaurado: dezenas de fãs subiam ao palco para realizar stage dives ou até mesmo o infame “stage selfie” — aquele momento em que o fã sobe para tirar uma foto com os músicos.
Durante “Gotta Let It Go”, o produtor Bruno precisou intervir, pedindo que o público tivesse cuidado com os retornos e pedais. No entanto, o alerta foi praticamente ignorado, já que, em “Falling in Love Again”, houve uma verdadeira invasão de palco. Observando a empolgação desmedida dos fãs, os roadies assumiram a linha de frente para garantir a segurança e mantiveram o controle pelo restante do show.
O Joyce Manor sempre teve uma postura rígida contra stage dives e participação da galera em seus sets, chegando a interromper apresentações quando algum fã tentava subir ao palco. No entanto, essa postura foi claramente deixada de lado, com a banda agora abraçando uma interação muito mais livre com o público. Em um dos momentos mais descontraídos da noite, o vocalista Barry Johnson atendeu pedidos dos fãs e incluiu “Stairs” no setlist. Durante “Schley”, ele chegou a aceitar e fumar um cigarro oferecido por um fã, reforçando o clima de proximidade. Em outro ponto do show, convidou membros da plateia para subir ao palco e cantar junto um cover de “I Saw Water” (Tigers Jaw), além de permitir novas invasões em “In The Army Now” e no popular single “Constant Headache”.
Embora shows underground sejam famosos pela interação intensa entre público e banda, a apresentação do Joyce Manor flertou com o exagero. A liberdade dada aos fãs, por vezes, comprometeu a qualidade técnica de algumas músicas, deixando a performance em segundo plano. Nem mesmo em shows de bandas como Gorilla Biscuits e H2O os roadies enfrentaram tanto trabalho para conter a euforia do público. Ainda assim, essa energia caótica é um testemunho da devoção incondicional dos fãs ao grupo.
Fotos — Aline Aquino e Mara Alonso
Setlists
Joyce Manor
- Heart Tattoo
- Derailed
- Beach Community
- Gotta Let It Go
- Falling in Love Again
- Victoria
- End of the Summer
- Don’t Try
- 21st Dead Rats
- House Warning Party
- Ashtray Petting Zoo
- Stairs
- Fake I.D.
- The Jerk
- I Saw Water (Tigers Jaw cover)
- Violent Inside
- Midnight Service at the Mutter Museum (The Murder City Devils cover)
- In The Army Now
- Schley
- NBTSA
- Constant Headache
- Catalina Fight Song
Bis:
- Last You Heard of Me
- Christmas Card
- Leather Jacket
- Five Beer Plan
Gouge Away
- Maybe Blue
- Only Friend
- Deep Sage
- Idealized
- Consider
- Dallas
- Uproar
- Stuck in a Dream
- Newtau
- Hey Mercy
- Ghost
- The Sharpening