“Nós ainda estamos sentindo o reflexo e a profundidade daquilo”: Entrevista com Erick Tedesco sobre manifestações de Junho de 2013
Entrevista com Erick Tedesco sobre as manifestações de junho de 2013. O jornalista/historiador comentou um pouco sobre sua relação com aquelas manifestações e sobre o impacto dos protestos no jornalismo e no cenário politico atual. Confira:
- Olá, Erick. Primeiramente, gostaria de agradecer pela sua participação nesse trabalho sobre os acontecimentos acerca das manifestações de junho de 2013. Para começar, poderia falar um pouco sobre você? (Formação, área de atuação etc.).
Erick: Oi! Meu nome é Erick Tedesco, tenho 37 anos, nasci em Pirassununga e atualmente moro em Piracicaba, onde fiz graduação em jornalismo e também em história. Desde 2002, atuo no jornalismo musical e escrevo em revistas especializadas em rock/metal, mas recentemente migrei para área de assessoria de imprensa e trabalho junto com produtoras, selos discográficos e bandas. Em paralelo, faço trabalho de jornalismo em mídias de notícias de política e economia. Comecei na A Tribuna Piracicabana (jornal impresso de circulação diária) como repórter de cultura e meu último cargo foi de redator chefe. Depois, tive uma experiência no jornal À tarde de Salvador, na qual fiquei por dois anos trabalhando como repórter e, posteriormente, alcancei um cargo de editor onde mantinha uma coluna sobre economia e notícias locais da Bahia. Hoje, também atuo no jornal Farol da Bahia, onde sou responsável pelo editorial. Além disso, já tive experiências na sala de aula e também já participei em um projeto de ecologia pela faculdade metodista de Piracicaba em conjunto com a faculdade de Gironda (Catalunha) e em projetos de cultura e memoria ligados a prefeitura de Piracicaba.
- Qual a sua relação com as manifestações de junho de 2013?
Erick: Em junho de 2013, ainda estava na A Tribuna Piracicabana atuando como editor chefe. Eu lembro que em Piracicaba ocorreram várias manifestações. A primeira manifestação aconteceu no período da tarde, levou quase duas mil pessoas as ruas e durou até as 22–23hrs. Eu não participei diretamente, mas estive na redação coordenando os repórteres. Eles me passavam informações e eu entrava em contato com a polícia e recebia notas da prefeitura para coordenar as montagens das matérias e a produção da primeira capa sobre o primeiro ato. Foi um trabalho bem intenso, pois recordo que a cada minuto aparecia alguma novidade. Assim como em São Paulo, a manifestação começou pacífica, mas depois ocorreram alguns casos de vandalismo.
Você poderia falar um pouco sobre a experiência que foi trabalhar em uma redação de jornal durante aquele período?
Erick: Trabalhar em uma redação naquela época foi bem legal, pois os repórteres nos mantinham [referindo a edição] “espertos” a cada momento. Era necessário tomar bastante cuidado com as informações que recebíamos, pois aquele momento foi bem conturbado, já que a policia passava uma informação e outros grupos mais ativos como “Pula catraca” nos passavam outra bem diferente. A situação naquela época lembra muito o que está ocorrendo no Chile agora com o aumento da passagem. Em Piracicaba, também ocorreram queimas de ônibus… foi algo bem intenso na questão de fazer jornalismo. Precisávamos ficar na retaguarda das coisas e, ao mesmo tempo, produzir capas, analisar como a matéria iria ser passada com perfil do jornal e do público. Foi bem forte.
- Em sua opinião, qual a principal lição que os brasileiros conseguiram aprender durante as manifestações?
Erick: Ainda estamos processando, né? Porque se a gente retornar para aqueles acontecimentos e fazer uma “ponte” com as eleições do ano passado, ao meu ponto de vista, alguns grupos que apontaram nesse processo eleitoral de 2018 apareceram ali (mesmo com ideias um pouco camufladas). Depois, percebemos que as intenções eram outras (ex: MBL).
Eu vejo que esse movimento que nasceu ali deturpou um pouco a questão de lutar por algo ligado a cidadania e mais direitos para depois mudarem para uma agenda mais neoliberal e por um estado que não condiz muito com as reais necessidades que a população pleiteava naquela época. Eu acho que é necessário tomar cuidado com essas manifestações de cunho popular quando há vários agentes no front. Nunca se sabe quem continua ou quem está coordenado… Foi uma lição para nunca fazer dualismo das coisas. Não existe bom, mau, certo ou errado. São sempre questões para serem ponderadas e para chegar a um resultado ideal de sociedade e país. É um processo difícil (às vezes, até utópico), mas não tira a legitimidade das manifestações, pois elas são necessárias.
- Você acha que aquele período impactou o jornalismo de alguma forma?
Erick: Com certeza. Houve um grande impacto no Jornalismo, principalmente no sentido de como tentaram manipular algumas informações para imprensa.
Eu tive uma experiência com uma Major da PM que tentava nos persuadir com grosserias e falando alto para impor o pensamento da corporação, sendo que tínhamos conhecimento de pessoas nas ruas que presenciaram uma movimentação totalmente diferente daquilo que a policia mencionava. Nós éramos muitos criticados e nem todas as mídias conseguiam ter independência para falar. Acredito que a partir daquele momento, as pessoas começaram a ter uma desconfiança muito maior da imprensa. Não que isso já não existisse, mas em termos de “Brasil contemporâneo”, a mídia começou a ser questionada a partir daquele momento.
- Acha há alguma relação entre os protestos de junho de 2013 com as recentes mobilizações ocorridas em outros países da América do Sul como Bolívia, Equador e Chile?
Erick: A relação de junho de 2013 com essas manifestações que acontecem hoje na Bolívia, Chile e Equador é direta. O processo de promoção da América do Sul é opressor (não tenho outra palavra melhor para usar). Ainda mais no Brasil, já que temos um abismo gigante entre a elite e o povo. A ligação que podemos fazer é com a questão de existir essa desigualdade social muito grande. Por si só, a América do sul possui um atraso muito grande em comparação com os Estados Unidos e Europa, e acho que isso vai muito mais além de uma questão de tempo ou colonização.
A questão é que essas diferenças começam a ser gritantes. Não só no Brasil, mas em todos os países dessa parte do continente em que a miséria é marcante (Argentina passa por crise terrível; Bolívia e Peru enfrentam pobreza e o Chile, apesar de ter uma classe média grande, ainda possui uma desigualdade tremenda). Em algum momento, existe um sentimento de despertar, de que algo precisa ser feito porque estão querendo acabar com nossos direitos em nome de um estado mínimo e do desenvolvimento.
- Quase sete anos depois, qual análise faz dos acontecimentos de junho de 2013?
Erick: É difícil falar em analise, porque eu vejo como um processo que ainda está aberto. É uma analise de entender quais foram os atores. Você observa o surgimento (ou pelo menos a ascensão) dos Black Blocs. Você observa o crescimento do MBL e de uma nova classe média… são várias questões que são pertinentes até hoje. Eu vejo que o Brasil ainda tenta dar um desfecho para aquelas manifestações que foram históricas, pois imagino que foram as maiores da história do Brasil. Nós ainda estamos sentindo o reflexo e a profundidade daquilo.
Também é difícil falar se as respostas que o povo queria foram atendidas e se isso tem alguma relação com a eleição do Bolsonaro. Na época, a popularidade da então presidente Dilma Rousseff e do ex-governador Geraldo Alckmin começaram a cair, mas será que a resposta para isso era a eleição de um presidente totalmente desqualificado para o posto? Eu creio que, pela eleição dele, todas as manifestações, pedidos e anseios da população estão em aberto ainda. Com o atual governo, é impossível dar uma solução para os problemas estruturais do Brasil.