Reflexão descompromissada sobre trabalho informal
Embora “glamourizado” pela grande mídia e por “gurus da internet” como forma alternativa de empreendedorismo, diversos estudos apontam os riscos em se atuar na informalidade, entre eles: inexistência de seguros trabalhistas, falta de um ponto fixo de trabalho e baixa garantia de renda.
Hoje em dia, existe uma “glamourização” do trabalho informal no Brasil. Com certa frequência, é possível encontrar matérias em jornais destacando casos de pessoas que vieram a perder seus empregos formais ou sofreram grande diminuição de renda devido à crise financeira, mas que agora são “empreendedoras”. Geralmente, os indivíduos que são mencionados nesses artigos tendenciosos apenas estão atuando com revenda de bugigangas, artesanatos, alimentos ou prestação de serviços de baixa complexidade. Pessoas que, na grande maioria das vezes, possuem baixa escolaridade, nenhuma noção sobre contabilidade, riscos de mercado, elaboração de preços ou sequer contam com meios de transporte adequados e possuem pouca ou nenhuma reserva financeira. Na realidade, esses “novos empreendedores” encontraram na informalidade uma maneira de evitar a inanição e a mendicância.
Particularmente, apoio o livre mercado e reconheço os benefícios de uma economia liberal. Entretanto, não sou hipócrita ao ponto de não criticar o que está acontecendo. De forma curiosa, no período em que o Brasil entrou em recessão durante o segundo mandato de Dilma Rousseff (2015–2016), esses mesmos portais apontavam que tipo de comércio não era um empreendedorismo saudável, mas sim um “empreendedorismo de necessidade”, sendo resultado direto da “agenda socialista”, que causava falta de empregos e serviços de baixa remuneração. No entanto, desde o início do governo de Jair Bolsonaro, alguns portais da grande mídia tentam inculcar na mente do público de classe média uma ideia de que, na realidade, o comércio informal “gera oportunidades de um empregado virar seu próprio chefe, estimula a economia e fornece liberdade financeira aos pobres e outros grupos vulneráveis”.
Além disso, diversos “gurus da internet” também vendem a imagem do trabalho informal como algo glorioso. Entre os defensores da informalidade, está o empresário Flávio Augusto da Silva, que conta com mais de 3 milhões de seguidores nas redes sociais Facebook™ e Instagram™ e posta diariamente diversos textos motivacionais acerca de “empreendedorismo” e sobre como “pensar fora da caixa e sair da manada”. Em uma de suas postagens mais famosas em seu Blog “Geração de valor”, o bilionário afirma que, caso tivesse 18 anos, jamais teria um emprego, venderia picolés, doces ou qualquer outro tipo de produto, acumularia capital e ficaria rico com essas atividades. Simples e Fácil!
Com esse tipo de mensagem, o mentor influencia centenas de jovens através da internet com argumentos sobre as maravilhas do empreendimento informal, ao ponto de convencer algumas pessoas a largarem seus empregos convencionais e irem se aventurar em uma economia totalmente incerta sem nenhum tipo de segurança. Afinal, como o próprio Flávio costuma compartilhar: “se você não construir os seus sonhos, alguém vai te contratar para construir os dele”.
Obviamente, há casos de pessoas que se deram muito bem através do empreendedorismo informal, entre eles: o influencer Rick Chester e o camelô David Portes. No entanto, antes de estimular seus seguidores, Flávio Augusto também deveria mencionar que esses exemplos são exceções raríssimas, e representam uma parcela praticamente inexpressiva dos trabalhadores informais.
Na realidade, a grande maioria dos informais tem rendimentos inferiores a um salário mínimo. Além disso, pessoas que atuam com esse tipo de comércio não possuem pontos fixos de trabalho, são desestimuladas a seguirem com os estudos através da educação formal, encontram enorme dificuldade para obtenção de crédito através de bancos ou financeiras, estão expostas a agressões e ameaças de outros “concorrentes” que desejam atuar no mesmo local, não possuem jornada de trabalho definida e outros benefícios, entre eles: férias, seguro desemprego, auxílio-doença, auxílio-acidente de trabalho e aposentadoria. Igualmente, devido à baixa escolaridade marcante entre esses trabalhadores, muitos não possuem meios ou sequer acesso a informações básicas para adquirirem esses aparatos de proteção social através de instituições ou programas privados.
Sendo assim, salvo em casos de raríssimas exceções, o comércio informal representa o desespero que assola a nação, o desemprego e empregos ruins, e não “oportunidades de empreendimento” ou desenvolvimento financeiro.
Assim segue o Brasil, com uma economia cada vez menos industrializada e dependente de setores primários, com mais cidadãos em situação de vulnerabilidade social e com grandes portais e empresários endeusando toda essa tragédia.